quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Memória III

Edward Shils
« Segregação e disciplina do carisma intenso

Todas as sociedades procuram tomar algumas precauções em relação àquelas pessoas cujas acções são motivadas pela possessão da legitimidade carismática. No interior dos sistemas religiosos, as ordens monásticas cenobíticas ou anacoréticas constituem estruturas institucionais para a segregação e controlo daqueles que estão dotados de carisma, isto é, àqueles que que têm uma predisposição para ressentir um contacto directo com poderes transcendentes. Desse modo são afastados do local da rotina e ao mesmo tempo a sua qualidade carismática é preservada e disciplinada no interior da ordem legítima da colectividade religiosa, na qual uma certa quantidade de atenuação e dispersão do carisma foi conseguida e fixada.

As universidades, que têm de reproduzir muitos padrões de pensamento e avaliação estabelecidos e que têm de manter tradições, enfrentam problemas semelhantes ao tratarem com pessoas jovens com grandes inclinações carismáticas intelectuais e morais. Através da instrução e da investigação, tentam disciplinar essas inclinações carismáticas e orientá-las, pelo menos a princípio, para os problemas aceites e para a visão aceite da ordem da natureza. A descoberta de verdades totalmente novas através da intuição, quando não é controlada pelas técnicas reconhecidas de observação e interpretação, é rejeitada. Aqueles que insistem em utilizar a sua intuição são quer expulsos, quer obrigados a submeter-se à disciplina prevalecente. (...)

Através da segregação, os guardiões das esferas de rotina da vida social mostram ao mesmo tempo o seu receio da natureza disruptiva do carisma intenso e concentrado e a sua apreciação de uma virtude que exige o seu próprio reconhecimento. No entanto, apesar destes esforços para limitar aqueles que possuem tendências carismáticas muito fortes a situações em que eles possam operar carismaticamente e para os submeter à disciplina da institucionalização, os limites são por vezes transgredidos. Os guardiões da ordem de rotina mantêm um reforço contínuo das barreiras contra a movimentação livre das pessoas carismáticas. Nem sempre têm sucesso. (...) Houve ciências que foram revolucionadas por inteligências carismáticas que ninguém conseguiu suprimir; géneros artísticos foram transformados, apesar da resistência da ortodoxia, pelos portadores de uma sensibilidade original, carismática».

Edward SHILS, Centro e Periferia.

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