sábado, 27 de dezembro de 2008

Intervenções

Uma excelente entrevista (ver podcast) de um grande sociólogo americano, Craig Calhoun, de quem tive a oportunidade de ouvir uma extraordinária intervenção no último congresso mundial de sociologia do IIS. Pode encontrar-se nela uma visão raramente consistente sobre a crise financeira que estamos a viver: http://www.ssrc.org/calhoun/2008/09/26/episode-6-finding-the-public-interest-in-response-to-the-financial-crisis/

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Grafos e representações da mobilidade social

Deixo exposto um interessante texto, no qual se compreende como a utilização de grafos pode ser útil para trabalhar a mobilidade social:
http://www.ehess.fr/revue-msh/pdf/MSH_1999__147__47_0.pdf
E, porque é sempre bom fazê-lo, aqui fica ainda um artigo nacional de muito interesse:
http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224255137E5cIQ8me5Ut57VI0.pdf

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Subsídios para a sociologia da medicina - fragmentos históricos

Como sabe quem me é mais próximo, um dos focos principais do meu trabalho actual é a medicina. Nomeadamente, as ordens convencionais - e os dispositivos em que as mesmas se consolidam - que configuram a medicina moderna. Hoje, pensei em deixar aqui uma breve caracterização que Gonçalves Ferreira faz de uma prática de saúde - para retomar a expressão de Vigarello - que a partir do século XIX a medicina moderna vai começar a relegar para segundo plano no contexto europeu, à medida que ela própria se afirma socialmente: a homeopatia.

A homeopatia aparece no fim do século XVIII, fundada por Hahnemann (1755-1843) e vai dominar durante mais de um século, como método de cura, alguns meios médicos em oposição à medicina clássica, tendo chegado a sua prática, em círculos restritos, aos nossos dias. A ideia básica do novo método era a de que o efeito curativo de cada remédio resultava do facto de provocar uma doença - a doença do remédio - que era o contrário ou antídoto da doença natural que se lhe assemelha. (...) § Hahnemann sentiu-se capaz de elaborar um novo método de terapêutica específica para cada doença identificada pelo diagnóstico, aplinaco a regra de que «Para curar por forma benigna, de um modo rápido, seguro e duradoiro, escolha-se em todos os casos de doença um medicamentp que possa provocar um mal semelhante (Homoion pathon) ao que se pretende curar». Ao método chamou homeopatia (sofrimento igual), em oposição ao método dos antídotos (alopatia ou sofrimento diferente), e considerou a dose mais eficaz a da trigésima diluição do novo medicamento ou do solúvel e habitualmente empregado para produzir a doença semelhante. (in FERREIRA, F.A.Gonçalves (1990), Historia da saúde e dos serviços de saúde em Portugal, Lisboa, FCG)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Sociologia



Em poucos anos, a sociologia em Portugal, parece-me, tem vindo a lograr grande sucesso na difusão de alguns dos seus modos de raciocínio e principais resultados. Na verdade, desde há uns quinze anos, talvez, parece-me que as discussões existentes, nomeadamente no domínio mediático, integram, crescentemente, visões globais da sociedade portuguesa que em muito devem ao trabalho académico aturado dos profissionais que trabalham esta (entre nós) jovem ciência. O que é curioso notar é que, infelizmente e ao contrário, por exemplo, do que acontece com os "primos" -mais ou menos directos, consoante os casos - dos sociólogos, os economistas, os créditos deste serviço prestado ao País geralmente não são imputados aos sociólogos. Sendo hoje comum perspectivar o insucesso escolar com base em desigualdades de oportunidades e condições de existência, pensar a ciência como um empreendimento colectivo, compreender melhor alguns aspectos da organização do nosso território, olhar para a família e as relações privadas de género como dinâmicas, pensar a existência de sistemas de desigualdades, etc., raramente se reconhece aos sociólogos, publicamente, a p(m)aternidade destes ou de outros conhecimentos, hoje básicos e oriundos do vasto património científico da sociologia. Relação aparentemente maldita esta, que faz com que aquilo que os sociólogos estudam seja lentamente apropriado pela sociedade e esta (utilizo este substantivo conscientemente, apenas para simplificar o discurso) retribua depois com o ar douto de quem já sabia.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Desabafo

É importante investigar, na verdadeira acepção do termo. Nas ciências sociais, é importante ouvir, ver, ler. Como é possível vermos um número excessivamente elevado de teses, relatórios e trabalhos científicos em que os motivos, razões, propósitos, concepções dos indivíduos parecem um ruído de fundo, mal escondido ou, na melhor das hipóteses, uma espécie de "sanduíche" entre duas ou três frases "teóricas" e quase sempre desprovidas de conteúdo cognitivamente útil? Em que ponto os cientistas sociais começaram a pensar que investigar era corrigir?

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Norbert Elias





Que dizer de Norbert Elias? De um homem capaz de argumentar que o tempo não possui substância, é apenas um modo de orientação humana no universo, resultado de um longo processo de desenvolvimento social e biológico? Capaz de perceber as sociedades humanas na longa duração? De compreender o mundo, não como uma sucessão de estados, mas de processos? De ditar, no seu leito de morte, cego e com mais de noventa anos, um livro inteiro, para mais com uma profundidade analítica ímpar? Que dizer de um homem que afirmava que, por vezes, a solução para um problema novo está num livro antigo?

terça-feira, 13 de maio de 2008

Medicina


Tudo indica que uma das tensões mais fortemente geradoras de controvérsias internas à profissão médica, nomeadamente no plano da relação entre médicos e doentes, no decurso da própria história da medicina, é organizada em função de diferentes registos de constituição e diferentes formas de representar o laço social que configura essa mesma relação.
Com efeito, o conflito entre uma racionalidade médica objectiva e distanciada e o subjectivismo e particularismo dos problemas, angústias e queixas dos doentes parece recobrir diferentes formas de avaliar e coordenar as acções e, por esta via, a constituição do laço social com os doentes, por parte dos médicos. Existe assim, um espaço de oscilação entre uma representação e exigência de coordenação mais associativa, funcional e racional deste laço e uma representação e exigência de coordenação mais comunitária, integrativa e emocional do mesmo.
A tensão entre a objectividade do olhar e acção médicos e a subjectividade do paciente é, em rigor, uma tensão central no próprio desenvolvimento histórico da medicina. Ao ponto de, muitas vezes, implicar praticamente a diluição da subjectividade relacional de ambos para dar lugar a uma relação racionalizada e centrada mais na doença que no doente. Como bem demonstra Roselyne Rey (Rey, 2000), a propósito da temática da dor no quadro do desenvolvimento do saber e da acção médicos, a medicina constituiu-se historicamente muito a partir do relegar da subjectividade do doente para um plano de inferioridade, quando não de total exclusão, face ao olhar objectivo do médico:

[La logique] qui s’occupe de la maladie plus que du malade, qui se détourne des séquelles de la maladie (cicatrices douloureuses, conséquences secondaires des traitements, douleurs post-opératoires), est renforcée avec les succès de la médecine. Elle repose sur un point de vue optimiste sur les pouvoirs et les ambitions de la médecine, et la relégation de la douleur à un rang modeste ou négligeable est comme la rançon ou l’envers de cet optimisme. Cette situation définit aussi un certain type de relations entre le médecin et le malade, elle souligne l’absence du malade comme sujet, l’aliénation de sa parole et de son vouloir.

As condições históricas de surgimento de um tal olhar médico, frio, racional, linear e centrado numa recusa da proximidade face à subjectividade do doente encontram em Michel Foucault (Foucault, 2007) um interessante intérprete. Reportando-se ao nascimento da clínica moderna, este autor afirma que ela repousa, em boa medida, justamente naquela reconversão do olhar (e concomitantemente da relação com o paciente):

La médecine moderne a fixé d’elle-même sa date de naissance vers les dernières années du XVIIIe siècle. Quand elle se prend à réfléchir sur elle-même, elle identifie l’origine de sa positivité à un retour, par-delà toute théorie, à la modestie efficace du perçu. En fait, cet empirisme présumé repose non sur une redécouverte des valeurs absolues du visible, non sur l’abandon résolu des systèmes et de leurs chimères, mais sur une réorganisation de cet espace manifeste et secret qui fut ouvert lorsqu’un regard millénaire c’est arrêté sur la souffrance des hommes. Le rajeunissement de la perception médicale, l’illumination vive des couleurs et des choses sous le regard des premiers cliniciens n’est pourtant pas un mythe ; au début du XIXe siècle, les médecins ont décrit ce qui, pendant des siècles, était resté au-dessous du seuil du visible et de l’énonçable (…). Les formes de la rationalité médicale s’enfoncent dans l’épaisseur merveilleuse de la perception, en offrant comme visage premier de la vérité le grain des choses, leur couleur, leurs taches, leur dureté, leur adhérence. L’espace de l’expérience semble s’identifier au domaine du regard attentif, de cette vigilance empirique ouverte à l’évidence des seuls contenus visibles. L’œil devient le dépositaire et la source de la clarté ; il a pouvoir de faire venir au jour une vérité qu’il ne reçoit que dans la mesure où il lui a donné le jour ; en s’ouvrant, il ouvre le vrai d’une ouverture première (…).

Igualmente Foucault sugere, por outro lado, que este processo de racionalização, associado ao surgimento da prática clínica em condições de modernidade, exige uma forma específica de relacionamento, racionalizado também ele, mas assimétrico:

L’expérience clinique (…) a vite été prise pour un affrontement simple, sans concept, d’un regard et d’un visage, d’un coup d’œil et d’un corps muet, sorte de contact préalable à tout discours et libre des embarras du langage, par quoi deux individus vivants sont «encagés» dans une situation commune mais non réciproque (Foucault, op.cit.).

Este olhar reconvertido, moderno, asséptico e higienista, capaz de encarar a doença como fenómeno empírico e sobretudo, de olhar o doente de uma forma hiper-racionalizada e fundada numa perspectiva fisiológica, é um olhar a que Georges Canguilhem dedicou o seu estudo. Este autor consegue identificar uma contradição fundamental na aparente assepsia deste olhar fisiologista, do ponto de vista da própria ideia de medicina. Sobretudo, naquilo que tal olhar envolve de esquecimento da condição subjectiva do doente e da patologia e do doente como fundamentos primeiros do estudo da fisiologia e até mesmo de qualquer ideia de doença. Realizando um roteiro crítico pela história da clínica, Canguilhem (Canguilhem, 2007) sente-se autorizado a dizer que

Tout concept empirique de maladie conserve un rapport au concept axiologique de la maladie. Ce n’est pas, par conséquent, une méthode objective que fait qualifier de pathologique un phénomène biologique considéré. C’est toujours la relation à l’individu malade, par intermédiaire de la clinique, qui justifie la qualification de pathologique. Tout en admettant l’importance des méthodes objectives d’observation et d’analyse dans la pathologie, il ne semble pas possible qu’on puisse parler, en toute correction logique, de «pathologie objective». Certes une pathologie peut être méthodique, critique, expérimentalement armée. Elle peut être dit objective, par référence au médecin qui la pratique. Mais l’intention du pathologiste ne fait pas que son objet soit une matière vidée de subjectivité.

Nos termos deste seu roteiro crítico, burilado a partir da sua dupla formação, em filosofia e em medicina, Canguilhem faz o seguinte diagnóstico:

(…) il y a (…) un oubli professionnel – peut-être susceptible d’explication par la théorie freudienne des lapsus et actes manqués – qui doit être relevé. Le médecin a tendance à oublier que ce sont les malades qui appellent le médecin. Le physiologiste a tendance à oublier qu’une médecine clinique et thérapeutique, point toujours tellement absurde qu’on voudrait dire, a précédé la physiologie (Cfr. op.cit.).

Independentemente do reconhecimento do carácter normativo que a medicina não pode, segundo Canguilhem, deixar de ter, o que importa uma vez mais reter é, precisamente, o confronto entre uma medicina racionalista, societária e cujas exigências de coordenação ao nível da constituição do laço social com o doente relegam para segundo plano a sua subjectividade e uma medicina mais centrada no doente, que reserva um lugar a este, para lá da eficácia industrial (Boltanski e Thévenot, 1991; Resende, 2003) dos seus próprios dispositivos terapêuticos e técnicos. É justamente sobre este ponto crítico e revelador que se estabelece o difícil e complexo processo de construção ideológica de um domínio de intervenção médica novo: os cuidados paliativos, que estudo presentemente, em Portugal e na sua articulação com a medicina oncológica.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Reducionismos

A "clássica" sociologia das profissões tende a estabelecer a existência a priori de uma racionalidade optimizadora, mais ou menos consciente, nos profissionais, que tende a fazer com que estes procurem constantemente construir a sua autonomia profissional face aos poderes administrativos das organizações nas quais desenvolvem a sua actividade. Assim, por exemplo, com os médicos ou os professores. Isto corresponde ao que alguns autores recentemente apelidam de relativismo, no sentido em que as análises deste tipo, ao pretenderem afastar-se de considerações de ordem moral, terminam expurgando a própria moralidade da acção em geral. Desta forma, deixamos caminho aberto, paradoxalmente, ao funcionalismo, mais ou menos sofisticado, mais ou menos evidente, na medida em que as posições normativas de quem age são encaradas como expressão interessada de uma racionalidade optimizadora subjacente, ela própria reenviando para a análise das estruturas de poder. Mas, face aos quadros habituais de pensamento que muitos sociólogos partilham, relativismo e funcionalismo não se compatibilizam. Voltarei a esta questão.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O espaço da incerteza

Vista de Tóquio, retirada de http://favoritos.wordpress.com/2007/01/18/toquio-by-night/

Desde o século XIX que o fenómeno urbano veio ganhando uma dimensão preponderante nas formas e modalidades de organização do nosso quotidiano, ao mesmo tempo que, paradoxalmente, crescentemente se afigurou como um facto social, ao estilo das leituras mais coisistas que se podem fazer a partir da obra de Durkheim, uma espécie de fenómeno exterior e coercivo, que parece não podermos controlar. Desenvolvendo-se de acordo com uma estratigrafia espacial e padrões de mobilidade extremamente complexos, articulando-se de forma multidimensional com a vida social e cultural das populações que, sucessivamente, o produzem, o urbano permanece um mistério em muitas das suas dinâmicas específicas e, sobretudo, na sua dimensão futura. Longe dos tempos da lisibilidade da cidade, enquanto unidade administrativa, funcional e simbólica relativamente bem delimitada, hoje estamos, mesmo, como muitos defendem, para lá da metrópole, a viver domínios relacionais que assaltam e surpreendem territórios e populações espacialmente disseminados e não contíguos, organizando uma geometria de fenómenos perfeitamente imprevisíveis. Como responder a perguntas simples, como: "Para onde vamos?"

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Complexidades maiores

Edmund Husserl, fundador da fenomenologia
(Imagem obtida em http://pt.wikipedia.org/wiki/Edmund_Husserl)
Como fazer reunir de modo coerente, num quadro conceptual apto para a produção de dispositivos investigativos, metodologias simultaneamente capazes de dar conta das representações cognitivas num sentido fenomenológico (Cfr. Edmund Husserl), racional ou estratégico (Cfr., por exemplo, a teoria dos jogos) e convencional (Cfr. análise das convenções no seio da acção justificativa)? Weber talvez seja um bom ponto de apoio para iniciar a reflexão; tal como Laurent Thévenot que, aliás, levanta toda a questão.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Complexidades


Uma experiência relatada por Laurent Thévenot, realizada com alunos da Universidade de Stanford - os sujeitos da experiência recebem a seguinte informação: "Linda tem 31 anos, é celibatária e muito brilhante. Não deixa coisas por dizer. Estudou filosofia. Enquanto estudante, preocupavam-na muito as discriminações e as questões de justiça social e participou em manifestações anti-nucleares". Seguidamente, os sujeitos deveriam classificar por probabilidade uma série de proposições, entre as quais as seguintes: "Linda é caixa de um banco"; "Linda é caixa de um banco e militante feminista". A maioria dos sujeitos (mais de 85%) consideraram que a segunda afirmação era mais provável, não obstante todos eles terem sólida formação em estatística e conhecerem, portanto, o Teorema de Bayes, que nos diz que a probabilidade de ocorrência de um evento conjugado, A e B, é inferior ou igual à probabilidade de ocorrência de cada um dos seus termos, isoladamente, A ou B. Verifica-se aqui a existência de diferentes formas de construir juízos, nomeadamente sociais. Numa delas, existe uma análise derivada de uma modelização estatística. Noutra, a avaliação das probabilidades de um determinado evento produzido ou característico de uma pessoa é pensada em termos do seu carácter, da sua personalidade ou de qualquer outro elemento que se pense permitir apreciar a coerência ou consistência de duas ou mais descrições caracterizadoras de alguém.

sábado, 19 de janeiro de 2008

A acção no plural


Laurent Thévenot (acima) e Luc Boltanski

Imagens retiradas de http://ihome.cuhk.edu.hk/~b102437/congress/scripts/thevenot.html e de http://www.sauramps.com/article.php3?id_article=309

Trabalho, neste preciso momento, sobre o conceito de acção social. Retaguarda frequentemente oculta de toda e qualquer tentativa de explicação ou compreensão sociológica, é, não raramente, fonte de confusões e imprecisões analíticas, por demasiadas vezes esquecida.
Trabalho o quadro teórico sobre a acção desenvolvido por Luc Boltanski e Laurent Thévenot, procurando articulá-lo com autores como Max Weber ou Paul Ricoeur (sim, o filósofo). Conceitos como regimes de acção, acção justificativa, convenções, crenças e acção conveniente, mundos, provas e hierarquias de grandeza, ordens de acção e laços sociais são alguns dos muitos que me atormentam por estes dias.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Max Weber

Imagem Retirada de http://marianunezgarrido.blogspot.com/2007/10/max-weber-despus.html
Um verdadeiro génio. Legou-nos uma obra que, de tão monumental e complexa, ainda hoje, cem anos depois, permanece desconhecida dos sociólogos em muitas das suas implicações e possibilidades analíticas. Há que voltar a ler Max Weber.