sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Pragmatismo e Grounded Theory

O sistema metodológico conhecido na comunidade científica como Grounded Theory Method (GTM), criado e desenvolvido em alguns dos seus aspectos fundamentais por Barney Glaser e Anselm Strauss, contribuiu muito, aquando do seu surgimento já há várias décadas e como talvez nenhum outro, para prestigiar, mormente no mundo anglófono, as chamadas estratégias de investigação qualitativas, fornecendo-lhes um dispositivo metodológico tão robusto como o das estratégias quantitativas. Por outro lado, o esforço metodológico dos dois sociólogos americanos, cada um deles oriundo de «escolas» intelectuais diferentes - Strauss mais próximo do interaccionismo simbólico e do pragmatismo e Glaser mais próximo de referências como Merton e Lazarsfeld -, centrou-se bastante na recusa daquilo a que eu chamaria de algum academismo - ou escolasticismo - de algumas análises da sua época, orientando-se, por sua vez, para uma referenciação empírica aturada dos processos cognitivos de construção de uma perspectiva científica sobre a realidade social. Daí a ideia-chave exposta logo no título da abordagem, Grounded Theory, que remete para a possibilidade de construção de conceitos directamente a partir do «terreno». Ora, olhar hoje para esta abordagem no quadro do trabalho científico implica resgatar aquilo que nela existiu de melhor e, correlativamente, rejeitar alguns dos seus principais pontos fracos. Um destes pontos está, indubitavelmente, no facto de Glaser e Strauss, no seu esforço de ruptura com a «teoria teórica», terem levado demasiado longe a crença nas possibilidades de uma indução «pura», acabando por abrir a porta a um empirismo ingénuo. Diga-se de passagem que será este empirismo que seduz tantos investigadores em formação, designadamente na área da saúde, para a utilização do GTM. Surgem assim análises semi-doutas, em que se não leu a bibliografia relevante na área disciplinar ou empírica que se pretende abordar. Emergem assim muitas teses em áreas híbridas e amorfas, cujo significado científico é, em meu entender, próximo de nulo ou, no melhor dos casos, trivial. Antony Bryant, no artigo «Grounded Theory and Pragmatism: The Curious Case of Anselm Strauss», recupera a ligação entre a tradição intelectual do interaccionismo simbólico e pragmatismo em que Anselm Strauss filiava amplamente a sua formação científica - mas da qual nunca deu, segundo aquele autor, suficiente conta na sua obra - para reler e recuperar o melhor do GTM, designadamente chamando a atenção para o conceito de abdução - conceito lógico de índole pragmatista, ou não fosse oriundo da pena de Charles Peirce - e da sua centralidade no processo de revigoração do GTM pela via do pragmatismo.

Apenas uma nota: a mim, que utilizei justamente estes princípios de articulação entre pragmatismo e GTM num projecto científico que gizei recentemente, apraz-me particularmente a leitura do texto de Bryant.

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