Pierre Bourdieu, talvez o principal responsável pela introdução, na teoria sociológica mas também antropológica, de uma ruptura com o modo de pensamento estruturalista devedor da obra de Claude Lévi-Strauss, não se cansava de repetir a importância da necessidade de não confundirmos, na análise, o modelo da realidade com a realidade do modelo. O deslizar do primeiro para o segundo dos termos desta inequação constitui, sem dúvida, uma armadilha realista, pela qual podemos, por exemplo, imaginar, no limite, perguntas como aquela que Unamuno (com alguma ironia) fazia num dos seus livros, questionando se um caranguejo resolvia equações de segundo grau. O modo de pensamento estruturalista abstraía das observações concretas para, uma vez estabelecida uma "lei" de grande generalidade, a situar no inconsciente dos observados, convertido assim em ens realissimum, realidade primacial da qual brotam todas as outras. Invariantes formais nas variações materiais, inconsciente, explicação científica. Como resistir a uma fórmula cientificamente tão sedutora? Bourdieu explica-o e é uma das suas grandezas. Talvez não nos devamos esquecer disto quando muitos, hoje, tentam "ultrapassar" Bourdieu. Não que o autor esteja certo em tudo, mas muito do que nos legou faz e fará sempre sentido.
Entretanto, deixemos exposto um excerto do impressionante Anthropologie structurale de Lévi-Strauss:
"La zoologie scientifique n'a (...) pous objet la description des formes animales, telles qu'elles sont intuitivement perçues; il s'agit surtout de définir des relations abstraites mais constantes, où paraît l'aspect intelligible du phénomène étudié. § J'ai appliqué une méthode analogue à l'étude de l'organisation sociale, et surtout des règles du mariage et des systèmes de parenté. Ainsi a-t-il été possible d'établir que l'ensemble des règles de mariage observables dans les sociétés humaines ne doivent pas être classées - comme on le fait généralement - en catégories hétérogènes et diversement intitulées: prohibition de l'inceste, types de mariage préférentiels, etc. Elles représentent toutes autant de façons d'assurer la circulation des femmes au sein du groupe social, c'est-à-dire de remplacer un système de relations consanguines, d'origine biologique, par un système sociologique d'alliance. Cette hypothèse de travail une fois formulée, on n'aurait plus qu'à entreprendre l'étude mathématique de tous les types d'echange concevables entre n partenaires pour en déduire les règles de mariage à l'oeuvre dans les sociétés existantes. Du même coup, on en découvrirait d'autres, correspondant à des sociétés possibles. Enfin on comprendrait leur fonction, leur mode d'opération, et la relation entre des formes différentes". (in Lévi-Strauss, C. (1958), Anthropologie structurale, Paris, Plon, 1974, p.75)
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