Não defendo a psicanálise. Mais próprio seria dizer que tenho sobre este quadro interpretativo dos mecanismos psicológicos humanos uma postura crítica. Não obstante, além da importância inquestionável da procura de conhecimento sobre ópticas científicas diferentes das que perfilhamos, acrescento que a tradição epistemológica na qual me revejo reconhece a existência de uma multiplicidade de sistemas interpretativos da(s) realidade(s) e, por outro lado, remete para uma postura pragmática perante os mesmos: uma qualquer teoria pode, em dado momento, conter em si a melhor possibilidade de explicação disponível para um dado fenómeno. Dito isto, estava a ler um livro escrito por um psicanalista e encontrei nele descrito o interessante fenómeno onírico da criança sábia. Segundo o autor, vários são os casos, registados pela clínica psicanalítica, de indivíduos que produzem um sonho característico, em que uma criança de tenra idade se exprime com a gravidade e a profundidade intelectual de um sábio. De acordo com a psicanálise mais actual, tal sonho é a expressão - o sintoma, na linguagem psicanalítica - de um conflito intrapsíquico ocorrido durante a infância - o que é modal na interpretação psicanalítica -, caracterizado por aquilo a que os autores chamam de um "terrorismo do adulto", que impõe à criança, sobretudo através da linguagem, um sistema de representação do mundo que subaproveita as suas capacidades mentais. Por exemplo, impondo um realismo forte que amputa a dinâmica do imaginário. Segundo muitos psicanalistas, a continuação deste processo redunda na tendência para um hiperconformismo face a regras no posterior adulto. Que se vinga na ironia onírica desta representação inverosímil.
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